Com direção musical e arranjos de Roberto de Carvalho, o disco duplo reúne pela primeira vez em LP todas as músicas do álbum, com novo projeto gráfico
Por Guilherme Samora*
O ano é 1995. O cenário, um castelo vampiresco. A intenção: celebrar o rock de Rita Lee. Das escadas, com cabelos repicados e uma capa vermelha, Rita abria o show “A Marca da Zorra” com a música-título, composta por ela e Roberto de Carvalho especialmente para a tour: “Não, não, não, não, não há quem lhe socorra/ O mau gosto assola a humanidade/ Não corra, não mate, não morra no trajeto/ Ligue já, disk-Zorra direto/ Que porra é essa?/ Essa é a marca da Zorra”. Pioneira nesse modelo de shows no Brasil – com tema, cenário e troca de roupas – Rita estava desde a "Tour 87/ 88" sem fazer um show daquele porte. E percorreu casas de show, ginásios e estádios do Brasil em uma vitoriosa turnê.
O disco ao vivo, gravado no Rio de Janeiro e produzido por Roberto, ganha uma versão de luxo em vinil duplo, pela Universal Music: um na cor cinza e o outro rosa-choque, ambos marmorizados. Na época de seu lançamento, em 1995, esse foi o último álbum de Rita a sair na trinca analógica LP, K7 e CD. O LP, entretanto, era na versão simples, com menos músicas do que o CD. Agora, nenhuma canção fica de fora.
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Outro fato que torna o relançamento especial é o novo projeto gráfico, criado especialmente para essa edição e que traduz todo o clima sombrio do show, que tinha cenário e figurinos assinados por Chico Spinosa. O design, de Guilherme Francini, traz fotos até então inéditas de Mila Maluhy. E tudo o que uma edição de luxo merece: além dos discos coloridos, capa gatefold, envelopes para os discos e encarte.
Depois da abertura com “A Marca da Zorra”, o trio de canções é matador: "Nem luxo, nem lixo", "Dançar pra não dançar" e "Jardins da Babilônia". A direção musical e os arranjos de Roberto são perfeitos para o clima mais pesado que permeia todo o show. Roberto está na guitarra e vocais; Lee Marcucci no baixo; Paulo Zinner na bateria; Ronaldo Paschoa na guitarra e Fábio Recco nos teclados.
Na sequência, Rita levitava no palco ao cantar "Ando meio desligado". Com uma capa, a ilusão era perfeita e o público vibrava. A vibe teatral de Rita seguia com "Vítima", quando ela vagava pelo palco de capa e chapéu cantando à procura de seu misterioso perseguidor. Transformando-se, a própria, na perseguidora. Um mini-helicóptero sobrevoava o palco nesse momento. "Todas as mulheres do mundo" vem a seguir, numa pauleira-feminista que incendeia o espaço. Ouvir o show novamente é uma lembrança viva de um dos inúmeros talentos de Rita: ninguém ocupava o palco como ela.
Vale lembrar que, antes da “Zorra”, ela vinha de uma bem-sucedida temporada do "Bossa'n'Roll", seu show banquinho e violão que abriu caminhos para os acústicos que vieram a seguir. A ideia do retorno triunfal aos grandes concertos começou no Hollywood Rock de 1995, quando Rita, Roberto e banda tocaram no festival, abrindo para os Rolling Stones. Essa foi a deixa para "A Marca da Zorra".
Enquanto Rita fazia outra troca de figurino, Roberto assume o microfone em um ótimo vocal displicente-pauleira para "Papai, me empresta o carro". Rita voltava como uma entidade, debaixo de um figurino branco, cantando "Atlântida", uma das preferidas dos fãs. "Mamãe Natureza" vem na sequência e, logo depois, o hino "Ovelha Negra" – com o público cantando do início ao fim. Virginia, irmã de Rita, fazia vocais nessas duas canções.
"Miss Brasil 2000" é a próxima. Uma modelo nua por debaixo de uma capa rosa desfilava pelo palco. A icônica "On the rocks" vem em seguida com um arranjo delicioso e vocais urgentes de Rita. Para fechar, o rockão paulista "Orra Meu", quando ela troca os versos "roqueiro brasileiro/ sempre teve cara de bandido" para "roqueiro brasileiro/ já não tem mais cara de bandido". Nesse momento, Rita estava vestida de boba da corte (figurino com o qual ela aparece no selo dos discos!). Um jeito apoteótico e perfeito para fechar a celebração à roqueira-mor, que ganha uma edição à altura do legado de nossa deusa. Viva Rita!
*Guilherme Samora é jornalista, editor e estudioso do legado cultural de Rita Lee