Por Sérgio Martins
“Quando eu conheci Paula Fernandes, na segunda metade dos anos 2000, a cantora, compositora e instrumentista mineira ainda saboreava o primeiro gosto do sucesso: tinha participado do especial de Roberto Carlos na Rede Globo de Televisão (“depois que eu surgi ali, todo mundo no hotel em que estava hospedada passou a me cumprimentar”, brincou) e o álbum “Paula Fernandes ao Vivo”, de 2010, se tornou um dos CDs – sugiro que procurem o significado dessa sigla no Google – mais vendidos do período.
Tempos depois, ela me deu uma entrevista para falar da ascensão de um gênero batizado como “feminejo”, no qual autoras e intérpretes do sexo feminino rompiam a barreira dos criadores homens e faziam letras a partir de seu ponto de vista – ou seja, a mulher não podia e não pode mais ser retratada como a ingrata destruidora de lares e corações, como apregoavam os temas dos criadores homens do estilo sertanejo. Paula mostrou, nessas duas ocasiões, qualidades que se confirmariam nos encontros posteriores. Por mais que faria e fizesse sucesso, nunca deixou se influenciar pelas regras do mercado. E por conta dessa ideologia, esteve à frente de vertentes que mudaram a cara do sertanejo.
Este “nariz de cera”, essa longa introdução ao assunto principal, tem como objetivo pontuar a importância dessa artista no universo musical sertanejo e anunciar seu novo projeto, onde mais uma vez estará na vanguarda. “11:11” é uma feliz conexão de Paula com novos artistas do gênero e traz criações dela ao lado de autores celebrados – uma raridade, visto que a artista mineira costuma compor sozinha ou com os mesmos parceiros. O conceito do projeto faz referência a um portal, onde a perspectiva das coisas é diferente do que na realidade estamos vendo ou vivendo. A possibilidade da passagem para um plano “novo” ou simplesmente diferente do que vivemos, gera um debate em que Paula instiga as pessoas a atravessarem esse portal para um lado onde tudo pode ser melhor, onde as coisas sejam de fato… onde os sentimentos sejam alcançados em sua plenitude, vivenciando suas verdades. Com o nome tirado de uma espécie de portal, ele foi divido em três partes, sendo que a primeira chega hoje às principais plataformas de streaming do país. Ao todo são 13 canções autorais e três regravações ao lado de promessas do sertanejo. Cada canção é acompanhada por um vídeo, no qual Paula se apresenta ao vivo ao lado de uma banda superazeitada, onde se destaca a guitarra de Ricardo Lopes, também produtor do projeto. Israel & Rodolffo são os primeiros convidados. Os volumes 2 & 3 contam com a participação da cantora Lauana Prado e do cantor Tierry.
Os dedos aqui coçam para não dar um spoiler e anunciar o repertório dos dois próximos volumes (poxa, mas nem o sucesso daquele ídolo da MPB que foi transformado em xote? Não, não pode. Deixa o disco sair). Vamos, então, ao primeiro volume da trilogia. Israel & Rodolffo participam de “Tá Tudo Bem”, parceria de Paula com Juan Marcus. Musicalmente, ela apresenta uma das características mais marcantes de seu estilo. A balada cuja letra fala de rompimento ganha peso com o passar dos versos e se torna um country rock com vocal para ser cantado aos gritos – uma boa maneira de espantar um amor que não deu certo. A regravação que faz parte do primeiro volume é “Nascemos para Cantar”, versão que a dupla Chitãozinho & Xororó fez de “Shambala”, sucesso de 1975 do repertório do grupo americano de rock – e com um pé na country music – Three Dog Night. Uma boa escolha, visto que o sucesso dos irmãos nascidos em Astorga, no Paraná, estreitou as relações da moderna música caipira brasileira com a sonoridade produzida em Nasvhille, templo do country.
“Antigo Novo Amor” e “Bloqueia Meu Zap”, por seu turno, são as criações que mais aproximam Paula do universo feminejo. Mas como foi escrito anteriormente, ela sempre faz à sua maneira. Em geral, o gênero usado por artistas dessa vertente é a bachata, uma espécie de seresta surgida na República Dominicana. Embora as letras tragam muito da sofrência, a cantora mineira buscou suas inspirações musicais em outros dois igualmente adaptados para o universo brasileiro. “Bloqueia Meu Zap” é uma vanera, gênero de origem alemã que é muito popular no Rio Grande do Sul; já “Antigo Novo Amor” nada mais é que uma paraguaíssima guarânia, que se alojou no Mato Grosso do Sul e se consagrou em terras tapuias nas vozes de duplas como Cascatinha & Inhana e Milionário & Zé Rico, e que andou frequentando também o repertório de Marília Mendonça.
A primeira parte da trilogia “11:11” se encerra com as canções “Flor” e “Gasolina”. Composta ao lado de Gustavo Fagundes e Elias Inácio, parceiros de longa data, “Flor” é a que mais traz o DNA de Paula Fernandes. Uma balada romântica, derramada, e com uma interpretação apaixonante (tão apaixonante quanto as outras, diga-se, mas aqui é uma questão de preferência). “Gasolina” é uma escolha singular. Ela foi lançada inicialmente por Jullie, ex-participante do programa de calouros The Voice, e trazia um arranjo entre o rock e a música eletrônica – as inspirações, de acordo com sua autora, eram Katy Perry e Rihanna. Paula e Ricardo Lopes a transformam num country rock digno de Shania Twain, onde a guitarra de Lopes se destaca mais do que nunca.
Há muitas outras novidades nos próximos capítulos de “11:11”. Tem aquela pop chamada… E aquela regravação daquela dupla… E o que dizer daquela outra musicona, que certamente vai tocar na rádio? É a…. Bem, melhor esperar pelos próximos capítulos da trilogia. Por enquanto, apreciem essas seis criações que certamente ditarão o gênero nos meses e anos seguintes.”