Dois anos atrás, em maio de 2018, The 1975 teve uma mudança de atitude. Seu tão comentado terceiro álbum – que devia se chamar “Music For Cars”, completando a trilogia que começou com o homônimo álbum de estreia da banda, apresentando em 2013, e – como o vocalista Matty Healy vinha brincando há muito tempo – possivelmente significando o fim da própria banda – na verdade, seriam dois álbuns separados. O primeiro, “A Brief Inquiry Into Online Relationships”, seria lançado em 2018. O segundo, “Notes On A Conditional Form”, seria lançado em maio do ano seguinte.
“A Brief Inquiry…”, lançado em novembro de 2018, marcou The 1975 não apenas como a banda mais importante de sua geração, mas também como uma banda importante para todas as eras. Com gritos de estado-do-mundo exorbitantes (“Love It If We Made It”), pedidos de verdade e conexão em um mundo pós-irônico (“Sincerity Is Scary”) e parábolas digitais (“The Man Who Married A Robot”/”Love Theme”), aqui estava um álbum que nem mesmo os críticos mais severos da banda conseguiam encontrar nada de ruim para dizer.
Mas para a banda, não havia tempo para sentar e curtir a adulação – tinha uma turnê começando e outro álbum para escrever e gravar. E o que realmente aconteceu foi o seguinte: mais uma vida de experiências no espaço de alguns anos. The 1975 montou um espetáculo ao vivo que redefiniu o uso da tecnologia de tela em uma produção teatral, transformado tudo ao máximo: brilho máximo, contraste máximo, mensagens máximas.
Enquanto isso, aconteceram dificuldades, aventuras, prêmios, política e muitas outras coisas. Em fevereiro de 2019, a banda usou sua plataforma no The Brits para citar uma compositora feminista falando sobre o mito do gênio criativo masculino. Em maio, eles foram expulsos do Alabama após um show num festival no qual Matty compartilhou seus pensamentos sobre a proibição do aborto recentemente aprovada pelo Estado. “A razão pela qual estou tão irritado é porque eu não acredito que [a proibição] seja sobre preservação da vida, eu acredito que seja sobre controlar as mulheres”, ele disse à multidão. Três meses depois, eles foram expulsos de Dubai em circunstâncias igualmente difíceis depois de se apresentarem diante de uma bandeira do arco-íris, dizendo à multidão “Se você é gay, eu te amo e Deus te ama, porra” e beijando um fã do sexo masculino em protesto às leis dos Emirados Árabes Unidos contra a homossexualidade.
A princípio, os fãs ouviram falar de “Notes On A Condditional Form” na versão mais recente de The 1975, uma peça instrumental que aparece de uma forma diferente em cada um de seus álbuns. Este, lançado em julho de 2019, foi com um discurso emocionante e proativo da ativista adolescente Greta Thunberg obrigando aos fãs a acordarem para o desastre ambiental. “Para ter essa voz e esse sentimento no álbum, eu não consegui pensar em alguém mais poderoso. “Eu simplesmente acho que ela é brilhante. E eu queria ajudar, da maneira que eu pudesse, abrindo minha plataforma para ela. Foi a primeira vez na minha vida que me senti verdadeiramente fascinado”, diz Matty.
Alinhar-se com Thunberg significou mais para a banda do que um single “de retorno” para chamar atenção; era uma promessa de uma revisão completa da forma como eles sempre funcionaram, comprometendo-se a reduzir o desperdício, desde suas apresentações ao vivo até embalagens de álbuns, as operações de sua gravadora, Dirty Hit, e sua produção de merchandising – as próximas camisetas foram estampadas em roupas antigas fornecidas pelos próprios fãs, ao vivo, no local dos festivais.
A segunda faixa foi lançada em agosto de 2019, para coincidir com um marco na carreira: a atração principal nos festivais de Reading e Leeds. Intitulada “People”, foi uma explosão punk estridente e abrasadora com uma mensagem simples e direta: “Parem de foder com as crianças”.
The 1975 continuou lançando música no período que antecedeu o lançamento do álbum e cada uma delas foi uma mudança completa, não apenas musicalmente, variando de UK garage à eletrônica e ao indie-pop, mas com lirismo e até mesmo em termos de imagem: os anarco-punks em meio ao caos no vídeo de “People” são as mesmas crianças indie-pop no vídeo de “Me & You Together Song” e os avatares CGI no vídeo da sonhadora “The Birthday Party”. A mais recente, “If You’re Too Shy (Let Me Know)” nos leva de volta quase à origem do The 1975 – um filme de John Hughes com slides eletrônicos brilhantes e acordes cavernosos dos anos 80, mas combinado com um conto moderno de luxúria via webcam e um vídeo minimalista e monocromático. Prova da capacidade do The 1975 de explorar simultaneamente o inesperado enquanto produz um incrível pop eufórico e exultante, que resultou a posição mais alta da banda até hoje.
Se essas faixas sugerem algo difícil de definir, o próprio álbum em si desafia o ouvinte a reconsiderar não apenas o que eles sabem sobre o The 1975, mas o que eles sabem sobre bandas e álbuns e música pop. “Toda vez que faço um disco do The 1975, eu meio que passo pelo meu catálogo de músicas, meu arquivo mental. E eu acho que ‘Notes’ é um registro interessante, porque tem nossos momentos mais agressivos e nossos momentos mais tranquilos e eles estão bastante alinhados um com o outro. Eu não tenho uma lista de reprodução de um tipo de música, por isso não consumo música assim e, quando estou inspirado, nunca vai acontecer duas vezes em um mesmo gênero”, diz Matty.
No início do processo de criação do “NOACF”, Matty falou sobre o álbum ser sobre o agora – sobre a arte que reflete o mundo e a banda no momento da criação. É uma declaração confirmada no registro final, um monstro de 22 faixas que se preocupa tanto com o tédio cotidiano na escala micro, quanto um desastre ecológico na escala macro. As grandes questões abordadas por Healy em “A Brief Inquiry…” são colocadas em foco, examinando-as de maneira pessoal, como em “Jesus Christ God Bless America 2005”, que analisa a religião e a busca de um Deus em um nível individual.
Tendo detalhado seus sonhos de estrela do rock, uso de drogas, relacionamentos, ansiedades e aflições em três álbuns, aqui Healy impiedosamente desconstrói sua própria persona, removendo a armadura que ele usou, mas revelando uma identidade mais forte por baixo. E, ao final, o álbum volta à coisa mais importante: ao âmago da banda. “Guys”, a faixa de encerramento, é uma doce e sincera homenagem à unidade que torna tudo possível, os quatro velhos amigos que encontraram consistência enquanto tudo ao seu redor mudava quase que diariamente. The 1975 – Healy mais o parceiro George Daniel, o baixista Ross MacDonald e o guitarrista Adam Hann – se juntaram há 17 anos como amigos de infância unidos pelo mesmo sonho, e ficaram cada vez mais próximos através de inúmeras turnês, unidos por experiências à medida que o sonho se tornava realidade.
No “NOACF”, a família da banda também cresceu para abranger novos colaboradores, incluindo o ator Timothy Healy, pai de Matty. “Don’t Worry” foi escrita por Healy (pai) quando Matty tinha 11 anos e foi gravada pela banda para o “NOACF”. FKA twigs e Phoebe Bridgers emprestam seus vocais como texturas de apoio e um dueto deste último. “Tornou-se um registro tão pessoal que não tinha mais regras. Qualquer um que violasse a intimidade do estúdio já fazia parte inerente do álbum. Com Phoebe, eu senti que não amava um vocal feminino como o dela há uma década – eu estava obcecado com o álbum dela”, diz Matty.
Você pode realmente sentir que não há regras no “NOACF” enquanto você ouve – e que não há mais desejo de se esconder atrás de uma máscara. “Não há procrastinação com relação se eu quero ir para um determinado lugar. Ou estou falando das coisas que me deixam desconfortável ou das coisas que me fazem rir ou estou falando sobre as coisas que me aterrorizam. Estou fazendo perguntas sobre essas coisas. E eu acho que tem muito coração, porque é uma homenagem à nossa origem, musical e pessoal. Então, muitas das coisas são caseiras e agradáveis”, detalha Matty.
Ao longo de quatro álbuns, The 1975 alcançou praticamente tudo o que se propuseram a fazer, seja nas aberturas e manchetes de festivais, nos álbuns que impactam a vida dos fãs ou na promessa de ser a banda que definiu os anos 2010 – porque quem mais poderia realmente afirmar ter tentado? Este álbum deveria sair enquanto a banda estivesse em turnê e ser integrado a uma performance em constante mudança. O que aconteceu foi que a vida e a ambição ficaram no caminho. E a mãe natureza jogou o trunfo da pandemia.
Então, o que podemos dizer sobre esse novo álbum, um disco como nada que você já ouviu, de uma banda em seu auge, que se atreve a ser diferente e dizer coisas importantes, fazer a coisa certa e surpreender os fãs, mas nunca sem decepcioná-los? O que podemos dizer sobre o fim da era do “Music For Cars”, um período que mudou a vida não apenas da banda, mas de incontáveis milhares de fãs dedicados? Provavelmente isso: as coisas ficaram um pouco vibrantes demais.